Rafael Achilles Marcelino
Universidade Federal de Lavras – 3rlab
E aqui vamos continuar nosso artigo sobre as enfermidades causadas por bactérias.
Septicemia por aeromonasHydrophila
A bactéria Aeromonas hydrophila é um bastonete Gram negativo, móvel, mensurando 0,3-1,0 µm de diâmetro e 1,0-3,5µm de comprimento. Não formam esporos e o crescimento ideal ocorre na temperatura de 28°C. As colónias em Agar são brancacentas a róseo pálido, redondos, convexos e com margens inteiras. São anaeróbios facultativos, citocromo-oxidase positivos, catalase positivo e fermentadores de hidrocarbonetos, reduz nitratos em nitrito, porém é incapaz de crescer em meio contendo NaCl e geralmente é resistente à Ampicilina. A infecção por A. hydrophila está associada a um quadro de infecção generalizada, sendo sua maior incidência em peixes cultivados em tanques com excessiva matéria orgânica e qualidade de água inadequada. Os peixes mais susceptíveis serão aqueles submetidos a uma inadequada nutrição e que sofreram traumas físicos durante o manuseio. A infecção por A. hydrophila ocorre com maior frequência em períodos de temperaturas baixas, quando a resposta imunológica das tilápias se encontra reduzida, e o impacto económico observado é decorrente da mortalidade e da diminuição do ganho de peso dos animais doentes. Os principais sinais clínicos que podem ser observados são: anorexia; natação vagarosa, com os peixes se posicionando nas áreas mais rasas dos tanques; escurecimento corporal; perda de equilíbrio; palidez de mucosas e brânquias; perdas de escamas: erosão ou destruição das nadadeiras; lesões sobre o corpo (figura 1) evoluindo para ulcerações; hemorragia difusa, observadas também na base das nadadeiras peitorais, pélvicas e caudal; exoftalmia, olhos opacos e hemorrágicos: ascite; liquido abdominal opaco a sanguinolento; conteúdo intestinal amarelado a sanguinolento: hemorragia petequial visceral; hepatomegalia (fígado pálido a esverdeado com hemorragias focais); esplenomegalia; rins hiperplásicos e friáveis; e pontos hemorrágicos na parede interna da cavidade abdominal. A gravidade da infecção será dependente do estado imunológico dos peixes. Casos mais graves podem acometer diferentes órgãos, prejudicando funções vitais e levando o peixe ao óbito.
Figura 1 – Lesões causadas por aeromonas
O diagnóstico é realizado pela observação de septicemia generalizada no animal doente, porém para comprovação do agente envolvido, deve ser realizada por isolamento bacteriano em meios de cultura específicos.
O tratamento é feito mediante a administração de antibióticos adicionados a ração, porém tem melhor resposta como medida preventiva do que terapêutica, já que os peixes doentes reduzem a alimentação e como consequência reduzem da ingestão do antibiótico. Uma recomendação é o antibiograma dos isolados da propriedade para determinar qual o antibiótico de escolha para o tratamento.
A profilaxia pode ser obtida a partir de boas práticas de manejo, evitando, dessa forma, injúrias e fatores estressantes que poderiam favorecer o aparecimento da enfermidade. Após o manuseio da despesca e transferência entre tanques, podem ser realizados banhos com sal (25-30 Kg/m3) por 10 a 30 minutos ou uso de permanganato de potássio (5 a 8 Kg/ m3) por 30 minutos a uma hora. E no transporte deve-se utilizar sal (5 a 8 kg/ m3)
Septicemia por Edwardsiella tarda
Edwardsiella tarda é outra bactéria Gram negativa pertencente à família Enterobacteriaceae; são geralmente móveis, com flagelo periférico, anaeróbios facultativos, catalase positivo, citocromo-oxidase negativo, fermentadora de glicose, reduz nitrato em nitrito, lactose negativo e produz gás em Agar TSI.
Além de causar infecções em peixes cultivados, a E. tarda, é relatada como causadora de gastroenterites em humanos. Esta bactéria é normalmente isolada a partir do sistema digestivo de diversos peixes de cultivo, dentre elas as tilápias, mas também são isoladas em fezes humanas, em cobras, rãs, tartarugas e aves. A maior incidência da infecção ocorre no verão, quando a temperatura da água está em média a 30°C e no início do outono. Quando o tanque ou o viveiro apresentam altos teores de matéria orgânica (fertilização dos viveiros com fezes de animais, favorecendo o crescimento bacteriano e a redução da concentração de oxigênio), podem ocorrer lesões na pele e vísceras mesmo em temperaturas entre 10-18°C. Condições estressantes favorecem o surgimento das lesões dessa enfermidade. As sintomatologias observadas em animais infectados são: pequenas lesões na cabeça, musculatura e cauda; lesões hemorrágicas cutâneas que podem evoluir para abscessos com tecido necrótico e odor desagradável; despigmentação cutânea e nódulos branquiais; podem ser visualizadas bolhas gasosas de odor fétido na musculatura e tecido renal; exsudado fibrinoso cobrindo o tecido hepático, tornando-o friável. Em casos septicêmicos são observados a presença de ascite, distensão da cavidade celomática, exoftalmia e opacidade de córnea, prolapso anal, nódulos brancacentos e necrose no fígado, rins e baço. As taxas de mortalidade e morbidade são variadas, entre 5-30% e 5-70%, respectivamente
O diagnóstico definitivo da enfermidade só é obtido por isolamento bacteriano realizado pela semeadura em placas de Agar Sangue, Agar MacConkey e Caldo Triptose, incubados a 37°C por 24-48 horas, além de ser necessária a identificação do microrganismo por meio de suas características morfológicas, tintoriais e bioquímicas.
A conduta terapêutica e profilática é semelhante à descrita para a septicemia por A. hydrophila
Estreptocose
A estreptococose em tilápias é doença comum e uma das mais sérias enfrentadas pelos produtores em diversos países, inclusive no Brasil. As principais espécies envolvidas nesta infecção são: Streptococcusiniae, S. agalactiae, S. dysgalactiae e S. ictaluri. No Brasil foram isolados até o momento S. agalactiae e S. iniae. O gênero Streptococcus são cocos de Gram positivos, anaeróbios facultativos e se apresentam em longas cadeias. Crescem muito bem em Agar BHI e Agar Sangue.
A transmissão desta doença ocorre por contato direto entre peixes infectados com peixes sadios, e por contato indireto, pela bactéria presente na água, permitindo que a doença se manifeste gradativamente em diferentes tanques-rede de uma mesma propriedade. Esta doença apresenta mortalidade elevada, principalmente em peixes cultivados em tanques-rede, quando há manejo inadequado da qualidade da água e da nutrição dos peixes.
A estreptococose é comumente observada em peixes variando de 50 gramas até em matrizes com peso acima de um quilo, mas predomina na fase da engorda, sendo os peixes entre 400-600 gramas, os mais acometidos. Desta forma, alevinos ejuvenis de tilápias parece não manifestar a doença, contudo não é descartada a possibilidade destes serem portadores assintomáticos e introduzirem a bactéria no sistema de produção.
A estreptococose causa uma doença septicêmica, com multiplicação bacteriana em diversos órgãos do animal acometido; acredita-se que o cérebro seja seu órgão de predileção, causando encefalite e como consequência seria observado nos peixes acometidos, natação errática, com rodopios e perda de equilíbrio. Outros sinais que podem ser observados são: anorexia; coloração escura do corpo; distensão abdominal; corpo levemente curvado; exoftalmia, opacidade de córnea, ou córnea hemorrágica; hemorragia difusa na pele, ao redor da boca, nas nadadeiras e opérculo; como também apresentar lesões cutâneas e musculares semelhantes a abscessos. Internamente podem ser observados: acúmulo de líquido sanguinolento na cavidade celomática; fluído intestinal sanguinolento; fígado pálido; e esplenomegalia com baço de coloração escura e morte de vários peixes (figura 2).
Figura 2 – Mortalidade de tilápias em tanques rede por estreptococose
O diagnóstico pode ser realizado pela associação dos sinais clínicos com os achados laboratoriais. Peixes doentes devem ser coletados e encaminhados vivos para os laboratórios de diagnóstico, assim como serem encaminhados fragmentos renais e cerebrais dos mesmos para o isolamento bacteriano. No laboratório, o diagnóstico pode ser realizado por técnicas convencionais (histologia ou esfregado de tecido infectado sendo visualizados microscopicamente cocos Gram positivos; ou cultivos em meios seletivos como BHI, TSA e Todd-Hewitt) ou por técnicas de biologia molecular (PCR, por exemplo), sendo este mais realizado em casos de estreptococose por S. iniae.
O tratamento tático deve ser realizado durante a fase de surto, com a administração de antibiótico a base de flor fenicol, que é efetivo contra diversos tipos de bactérias e possui boa estabilidade na água. O florfenicol deve ser usado na dose de 10mg/kg de peso vivo combinado com sulfa-trimetoprim na dose de 25mg/kg por um período recomendado de IO dias.
O controle deve ser realizado através da manutenção adequada das condições ambientais e da boa nutrição nos peixes; realização de tratamentos táticos com antibióticos; descarte de animais mortos ou sintomáticos com exoftalmia, pele escurecida, ascite e perda de apetite, por exemplo; e realizar com frequência testes laboratoriais para diagnóstico.
Tendo em vista tudo que foi exposto, as bacterioses na tilapicultura resultam em prejuízos econômicos devidos às taxas de mortalidade que o cultivo possa apresentar. As sintomatologias entre as principais enfermidades são muito semelhantes, devendo o médico veterinário associar os sinais clínicos aos resultados laboratoriais para obter o diagnóstico definitivo e determinar a medida terapêutica mais eficaz.
Como exposto, septicemias por Aeromanas e estreptococose são comumente observados na fase de engorda. Independente do agente bacteriano envolvido, o principal sintoma apresentado é a redução de apetite, o que inviabiliza o tratamento com adição do antibiótico na ração. Sabe-se que há utilização indiscriminada de antibióticos na ração ofertada aos peixes, e este é um fator responsável pela resistência bacteriana e a persistência do agente na propriedade. Dessa forma, é recomendada sempre a realização de um antibiograma com os peixes afetados da propriedade para determinar qual antibiótico utilizar.
A vacinação contra as enfermidades relatadas é empregada em tilapiculturas internacionais, mostrando bons resultados preventivos, porém no Brasil, não é uma realidade produtiva e sim experimental.
Ainda são escassas na literatura nacional informações precisas sobre as principais bacterioses em tilapicultura, assim como a realização de diagnósticos mais apurados que possam definir o agente envolvido entre os possíveis diferenciais.