Quanto a fazenda deixa de ganhar quando um consultor “chuta” o valor nutricional da forrageira para balanceamento de dietas ? Todos nós estamos acostumados a pegar um pouco de silagem, apertar, “chutar” o teor de MS e FDN e depois utilizar estes valores para realizar o balanceamento de dietas nas fazendas que prestamos consultoria. Você já pensou que esta decisão que você acabou de tomar em 5 minutos mais os 5 minutos gastos para “balancear” a dieta tem o maior impacto na parte financeira comparado a todas as outras funções que você irá realizar no resto do seu dia? Ou seja, gastamos 10 minutos da visita na variável de maior impacto do sistema (custo alimentar) e mesmo assim não temos certeza que tomamos a decisão correta, pois o valor nutricional da forragem foi um chute! Para entender um pouco mais sobre o impacto de uma melhor estimativa da qualidade da forragem no sistema, vamos analisar alguns dados de qualidade de forragem e simular o impacto da utilização de dados de análise de laboratório versus chute.
Na tabela 1, podemos visualizar a variação na qualidade da silagem de milho ao longo da utilização em duas fazendas americanas comerciais no estado de Califórnia. Para melhor interpretação, na fazenda A, 120 dias após o fechamento do silo, o técnico coletou nove amostras da face do silo. O técnico retornou na fazenda depois de 15 dias (135) e coletou mais 9 amostras da face do silo. Os silos estavam sendo utilizados enquanto o experimento foi realizado. Portanto, os valores apresentados na tabela representam média de 4 faces do silo (cada face com 9 pontos). O mesmo procedimento foi realiza no fazenda B.
O primeiro ponto muito importante que precisamos entender é que a qualidade da silagem é diferente em cada data de coleta (120 vs. 135 vs. 150 vs 180) para as duas fazendas. Portanto, mesmo a realização da análise da silagem somente 1 vez não irá proporcionar ao nutricionista retirar o maior beneficio que a forragem proporciona: diminuir o concentrado quando a parte do silo estiver boa (tirar leite mais barato) e aumentar quando estiver ruim (suprir o que a forragem não tem no momento). Nossa obrigação como nutricionista é utilizar o máximo possível de forragem e complementar a dieta com concentrado. Em outras palavras, nós temos que fazer bactérias chegar no intestino delgado e completar o restante da necessidade de proteína do animal com concentrado.
Podemos observar ainda que houve uma variação maior na porcentagem de FDN na fazenda 2 do que na 1. Em contrapartida, a variação na digestibilidade da FDN foi maior na fazenda 1 comparada a fazendo 2. Já a porcentagem de amido variou mais na fazenda 2 quando comparado a fazenda 1. Esta variação na qualidade possui inúmeras explicações: pontos onde ocorreu maior entrada de ar (melhor ou pior compactação), diferenças nos híbridos plantados e que foram ensilados juntos, diferenças na adubação, variação da máquina que cortou o milho para silagem, etc… O importante é entender que um silo não é um alimento com composição estável, a cada metro de utilização do silo a qualidade da forragem muda.
Agora vamos partir para o próximo passo que é entender o que acontece quando eu “chuto” um valor para minha silagem e utilizo este durante todo o silo. Para comparar o resultado de uma silagem que o consultor realizou análise versus uma que os valores foram “chutados”, foi utilizado um software de balanceamento de dietas (AMTS, CNCPS 6.1). Dados para simulação foram: preço do leite R$1, peso 600 kg, DEL 100, 30 kg/dia.
No exemplo do chute na porcentagem de FDN, o consultor estimou 45% de FDN, mas a análise revelou que a silagem continha 40% de FDN. O consultor formula uma dieta para 30 kg de leite com silagem de milho contendo 45% de FDN e portanto tem que aumentar em quase 2 kg/vaca dia a quantidade de milho moído. Isto reflete em aumento de custo (12,33 vs. 11,69) e consequente redução no RSCA, aproximadamente R$0,5/vaca/dia. Em um rebanho de 100 vacas, isto significa R$50/dia ou R$1.500,00/mês.
Em um segundo exemplo analisamos a variação na digestibilidade do FDN da silagem de milho. O consultor “chutou” 25% e a análise revelou que a digestibilidade era de 30%. Desta maneira, com uma forragem que degrada menos o consultor teve que aumentar a quantidade de milho e diminuir a quantidade de silagem. Isto resultou novamente em perdas na rentabilidade do sistema.
O mesmo cenário pode ser observado quando houve erro na estimativa de amido e de digestibilidade de amido. Este exercício foi realizado utilizando somente um dia de análise (uma face) e assumindo chute em somente um parâmetro. Isto deixa claro que a variação na qualidade da silagem é a principal causa de erros no balanceamento da dieta que resultam em menos dinheiro na fazenda. A mesma variação certamente ocorre em silagem de milho, aveia, cana, etc..
Mas ainda assim existem pessoas que se denominam “laboratório portátil”, ou seja, capaz de fazer a análise com as próprias mãos na frente do silo. Bom, para ajudar estas pessoas, o Dr. Gary Oetzel, da Universidade de Wisconsin, fez um experimento com pessoas que se diziam capazes de identificar vacas com cetose através do cheiro de cetona que o animal exala. Ele visitou várias fazendas e identificou nas fazendas as pessoas que se diziam capazes. Ele colocava um número x de animais para esta pessoa identificar se havia caso de cetose ou não e ao mesmo tempo coletava sangue do animal para posterior análise de BHBA (marcador para cetose) no laboratório. Mais da metade das pessoas que se diziam capazes de identificar uma vaca com cetose estavam erradas sobre o diagnóstico. Ou falavam que o animal tinha cetose e não tinha ou falavam que não tinha e o animal tinha. Portanto, se você ainda se considera expert em identificar matéria seca e qualidade de silagem somente utilizando sua mão, tome muito cuidado, você estará errando mais da metade das vezes.
Mas qual a frequência recomendada de avaliação de forragens em fazendas comerciais? Tom tilutky, AMTS, publicou um artigo utilizando alguns modelos estatísticos e conclui que a análise semanal de forragem ainda possui o maior retorno sobre o investimento sobre todas as outras ferramentas disponíveis na fazenda. Dr. Normand St-Pierre, lançou recentemente um software que recomenda a frequência de análises levando em consideração: preço do leite, número de animais, preço da análise (Columbo Dairy Software). Nós acreditamos que um protocolo de análise mensal (doze análise no ano) pode proporcionar ao nutricionista extrair o máximo da qualidade da forragem e, portanto deixar mais dinheiro na fazenda. Em adição, Dr. Bill Weiss, da Universidade de Ohio, recomenda que a média móvel das duas últimas análises bromatológicas seja utilizada para balancear a dieta. Por exemplo, em uma rotina de análise mensal de forragem, a média dos valores do mês de julho e agosto seria utilizada para balancear a dieta de agosto.
Portanto, ficou claro que “chutes” na qualidade da forragem geram ao redor de R$0,50 por vaca dia de (considerar custo de variação em todos os nutrientes e potencial perda se quiser subir leite). O “chute” na qualidade de forragem pode resultar no aumento do concentrado (nos exemplo acima representado somente pelo milho) ou na queda da produção de leite (nos exemplos consideramos que mesmo errando o leite continuaria o mesmo).
Tabela 1 – Qualidade de forragem de duas fazendas americanas. Cortesia- Dr. John Miller – Diamond-V
Fazenda |
DAF |
MS |
PB |
FDA |
FDN |
DFDN |
Amido |
DAmido |
A |
120 |
31 |
7,3 |
29,8 |
44,4 |
24,0 |
30,0 |
89,3 |
135 |
31 |
7,4 |
27,9 |
42,6 |
26,9 |
30,7 |
84,7 |
|
150 |
32 |
7,4 |
28,4 |
41,9 |
24,3 |
31,1 |
89,5 |
|
180 |
34 |
7,0 |
28,0 |
44,6 |
19,3 |
30,8 |
85,6 |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
B |
105 |
33 |
7,0 |
29,5 |
45,6 |
31,4 |
29,7 |
89,0 |
140 |
32 |
7,3 |
28,5 |
44,3 |
39,0 |
31,0 |
91,5 |
|
165 |
30 |
6,8 |
27,9 |
43,5 |
32,1 |
33,4 |
86,5 |
|
190 |
31 |
6,8 |
25 |
41,1 |
29,5 |
34,8 |
85,5 |
DAF = dias após fechamento do silo, Damido = digestibilidade do amido em 12 horas, DFDN = digestibilidade do FDN em 30 horas.
Números são médias de 9 pontos diferentes da face do silo.
Tabela – 2. Simulação de retorno sobre custo alimentar em com forragens variando em qualidade.
Analisado vs. chute
Modificado |
FDN |
DFDN |
Amido |
DAmido |
||||
Analisado |
Chute |
Analisado |
Chute |
Analisado |
Chute |
Analisado |
Chute |
|
MS |
30 |
30 |
30 |
30 |
30 |
30 |
30 |
30 |
PB |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
FDN |
40 |
45 |
45 |
45 |
45 |
45 |
45 |
45 |
DFDN |
30 |
30 |
30 |
25 |
30 |
30 |
30 |
30 |
FDA |
28 |
28 |
28 |
28 |
28 |
28 |
28 |
28 |
Amido |
30 |
30 |
30 |
30 |
35 |
30 |
30 |
30 |
DAmido |
90 |
90 |
90 |
90 |
90 |
90 |
90 |
85 |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Kg MS/dia |
|
|
|
|
|
|
|
|
Feno |
1 |
1 |
1 |
1 |
1 |
1 |
1 |
1 |
Silagem milho |
12 |
10,1 |
10,1 |
8,8 |
10,9 |
10,1 |
10,1 |
9,5 |
Milho moído |
4 |
5,9 |
5,9 |
7,2 |
5,1 |
5,9 |
5,9 |
6,5 |
Caroço algodão |
2 |
2 |
2 |
2 |
2 |
2 |
2 |
2 |
Farelo de soja |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
3,3 |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Leite, kg/dia |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
30,3 |
RSCA, R$/dia |
18,64 |
17,98 |
17,98 |
17,56 |
18,26 |
17,98 |
17,98 |
17,56 |
Custo alimentar, R$/vaca/dia |
11,69 |
12,33 |
12,33 |
12,77 |
12,06 |
12,33 |
12,33 |
12,76 |
RSCA = retorno sobre custo alimentar ((preço do leite * leite produzido) – custo alimentar/vaca/dia))