Como explicar variações na produção de leite na minha fazenda?
Marcelo Hentz Ramos, PhD-Diretor 3rlab
Certamente uma pergunta frequente entre os produtores de leite: não mudamos nada na fazenda e o leite caiu, o que aconteceu? Bom, algumas fontes de variação que podem explicar este fenômeno (aumento ou queda do leite na fazenda) são:
-mais vacas parindo
-DEL aumentando
-mudança de estação
-mudança de funcionário na fazenda
-mudança na qualidade dos ingredientes da dieta.
De todas as opções a última apresentada é a mais difícil de ser diagnosticada e a que ocorre com mais frequência. Para deixar claro este ponto vamos observar a figura 1. Esta contêm dados de duas fazendas americanas que foram acompanhadas diariamente. Pesquisadores coletaram amostras do silo de milho e analisaram a forragem para: matéria seca, proteína bruta e fibra em detergente neutro (FDN). Podemos observar que em duas semanas obtivemos uma variação de aproximadamente 10 pontos percentuais em todos os nutrientes (água, proteína e fibra). Dez pontos percentuais em duas semanas! Isto deixa claro que uma silagem não possui um valor fixo de qualidade. Ou seja, a pesquisa nos diz que não podemos dizer “minha silagem esta boa este ano” e sim “esta semana minha silagem esta boa”.
Mas esta variação ocorre somente em alimentos ensilados? Não, na tabela 2 podemos observar variação da silagem de milho como também do milho grão e do milho grão ensilado (grão úmido). Podemos observar novamente que a variação durante um ano nas fazendas foi enorme! Podemos observar que matéria seca do milho grão variou de 83% para 86,5%. Isto significa que ele secou neste período e que poderíamos ter utilizado menos milho para produzir a mesma quantidade de leite. A mesma ideia se aplica ao milho grão úmido. Este passou de 7,9% para 23,6% de FDN na MS. Se a dieta não for modificada para levar estes valores em consideração, o animal passa a receber uma dieta totalmente desbalanceada, o que certamente explica variações na produção de leite. Ou seja, nem mesmo o milho pode ser considerado um alimento homogêneo. Na indústria de aves e suínos é muito comum os nutricionistas enviarem amostras de milho para análise no laboratório, pois uma variação pequena pode resultar em perdas ou ganhos enormes.
Mas esta variação de qualidade na minha silagem de milho resulta em perdas ou ganhos na fazenda? Para responder esta pergunta simulamos uma dieta para um lote de 30 kg de leite com peso de 600 kg e dias em lactação (DEL) de 150 dias (tabela 1). A dieta fornecida continha feno, silagem de milho, milho moído, farelo de soja e caroço de algodão. A ideia foi simular a mudança da qualidade da silagem de milho em:
-estimativa de produção de leite (EM ou PM)
-CNF = carboidratos não fibrosos
-Retorno sobre lucro alimentar = quanto o produtor ganha por vaca pagando somente o custo alimentar.
A primeira observação é que a estimativa de produção de leite vai caindo conforme a qualidade da silagem de milho vai piorando. A dieta A, a estimativa de produção foi de 32,19 kg de leite/dia, na dieta B 30,92 e na dieta C 29,63 kg. Ou seja, em uma semana, podemos observar uma diferença na produção por vaca de aproximadamente 2,5 kg/vaca/dia somente devido à mudança na qualidade da forragem. Em uma fazenda de 100 vacas isso representa 250 kilos de leite a menos!!!
Outro ponto importante é a desbalanceamento que a mudança da qualidade de um ingrediente causa na dieta. A dieta C estava balanceada com 37,34% de CNF, ou seja, um valor seguro para trabalhar. Já a dieta A, estava com 41,77% de CNF, um valor mais perigoso e muito capaz de causar acidose subclínica no rebanho. Acidose subclínica pode levar a inúmeros problemas: baixo consumo, baixo sólidos no leite, problemas de casco, etc…
Certamente a variável que mais preocupa o produtor é o RSCA, em palavras simples, quantos R$ esta vaca esta me dando de lucro levando em consideração somente o custo alimentar. Fica claro novamente que quanto melhor a qualidade da forragem (dieta A), mais dinheiro a vaca será capaz de deixar na fazenda. Em números, a dieta A deixa R$18,15/vaca/dia enquanto a dieta C deixa R$15,59/vaca/dia. Uma diferença de R$2,50/vaca/dia que passa despercebido na fazenda!
Ficou evidente que variações na qualidade dos ingredientes da dieta podem resultar em queda ou aumento da produção de leite. Muitas vezes estas quedas ou aumentos passas despercebidos no dia a dia da fazenda devido a outros fatores (discutidos no início) que também causam variação na produção de leite.
Tabela 1 – Variação na composição da silagem de milho durante 12 meses em fazendas americanas
Mín | Max | |
Silagem de milho | ||
MS | 29,9 | 43,1 |
FDN, %MS | 35,1 | 51,2 |
PB, %MS | 6,8 | 11,8 |
Milho grão | ||
MS | 83 | 86,5 |
FDN, %MS | 9,9 | 13,3 |
PB, %MS | 7,8 | 9,2 |
Milho grão úmido | ||
MS | 57,3 | 77,6 |
FDN, %MS | 7,9 | 23,6 |
PB, %MS | 6,9 | 9,1 |
Silagem de milho dados de 48 fazendas
Milho grãos: dados de 27 fazendas
Milho grão úmido: dados de 23 fazendas
Mín = mínimo
Max = máximo
Tabela 2 – Impacto da variação da qualidade na silagem de milho produção de leite das vacas da fazenda. Dietas A (silagem de milho com 40% de FDN), dieta B (silagem de milho com 45% de FDN) e dieta C (silagem de milho com 50% de FDN).
A | B | C | |
Kg MS | FDN | FDN | FDN |
40% | 45% | 50% | |
Feno | 2 | 2 | 2 |
Silagem de milho | 10 | 10 | 10 |
Milho moido | 5 | 5 | 5 |
Farelo de soja | 3,5 | 3,5 | 3,5 |
Caroço de algodão | 2 | 2 | 2 |
CNF | 41,77 | 39,55 | 37,34 |
EM disponível para leite, kg/d | 32,19 | 30,92 | 29,63 |
PM disponível para leite, kg/d | 33,36 | 31,86 | 30,39 |
RSCA | 18,15 | 16,87 | 15,59 |
CNF = Carboidratos não fibrosos.
EM = energia metabolizável
PM = proteína metabolizável
RSCA = quanto o produtor ganha por vaca pagando somente o custo alimentar
Figura 1 – Variação diária na qualidade de silagem de milho. DM = matéria seca, NDF = fibra em detergente neutro e starch = amido
Fonte: Within Farm Variation in Nutrient Composition of Feeds. Bill Weiss, Dianne Shoemaker, Lucien McBeth, Peter Yoder and Normand St-Pierre. Department of Animal Sciences and Ohio State University Extension. The Ohio State University.2012 Penn State Dairy Cattle Nutrition Workshop