Um lote de vacas produzindo 30 kg de leite/dia com uma dieta contendo 30 kg de silagem de milho está sendo “desafiado”? Será que eu posso colocar mais 5 quilos de silagem de milho nesta dieta e como consequência diminuir a quantidade de ração e manter o leite? Com certeza você já fez esta pergunta em algum momento na sua fazenda. O desafio é saber como medir a resposta para entender se a decisão tomada foi correta.
Uma excelente ferramenta que deve ser utilizada por nutricionistas em fazendas é a observação do “Escore de Condição Corporal” dos animais ao parto e ao pico de lactação. Se a fazenda adota como meta o escore de 3,25 ao parto isto significa que 75% dos animais devem estar nesta condição ao parto e 75% dos animais devem estar no mínimo em 2,5 ao pico. Por que 75? Porque nós trabalhamos com biologia e raramente podemos utilizar 100%. Em adição, manejamos animais em grupos que são extremamente diferentes, portanto sempre existirá diferença no mesmo grupo. Apesar de ser uma ferramenta excelente a utilização de escore de condição corporal ao parto e ao pico é pouco utilizada por questões de tempo disponível dos funcionários na fazenda.
Entretanto, outra ferramenta muito interessante é a utilização de digestibilidade in vivo da dieta dos animais na fazenda. Mais claramente, o técnico coleta amostras da dieta que os animais estão consumindo no lote e também coleta fezes dos animais no mesmo lote. Este material é colocado no rúmen de vacas em laboratório. Como resultado o técnico consegue detectar qual a digestibilidade da dieta, da fibra e do amido por exemplo. Como exemplo, na tabela 1 podemos observar que os valores de digestibilidade da matéria orgânica, da FDN e do amido do lote da fazenda estão acima da média brasileira. Estes valores demonstram que os animais não estão sendo limitados por fibra. Como sabemos que quanto mais forragem adicionamos na dieta sem baixar a produção de leite, maior o retorno sobre custo alimentar (mais dinheiro fica na fazenda), a recomendação certamente é adicionar forragem nesta dieta. Portanto esta ferramenta é uma maneira profissional para decidir se podemos ou não adicionar mais forragem em uma dieta. Mas será que esta ferramenta funciona?
Esta mesma ferramenta (análise de digestibilidade in vivo) foi utilizada em uma fazenda comercial nos EUA. O rebanho em análise produzia 42 kg de leite/dia com 3.6% de gordura e 3.1% de proteína. A dieta continha 50% de forragem. Na tabela 2 podemos visualizar a composição da dieta. Podemos observar que quando a fazenda utilizava 50% de forragem na dieta (dieta A), as digestibilidades de MO, FDN, amido, PB e EE estavam acima da média americana. Desta maneira o nutricionista tomou a decisão de adicionar mais forragem na dieta (dieta B, 55% de forragem). Com a adição de forragem na dieta podemos visualizar que houve uma diminuição na digestibilidade dos nutrientes. Entretanto, as digestibilidades da dieta ainda estavam superiores a média americana. Importante notar que não houve modificação na produção de leite ou sólidos na fazenda. Certamente nesta situação o retorno sobre custo alimentar foi maior após a adição de forragem. Portanto a utilização desta ferramenta permite detectar diferenças na digestibilidade dos nutrientes e auxiliar o nutricionista a tomar uma decisão profissional.
Em uma outra fazenda comercial americana a digestibilidade in vivo também foi utilizada. O rebanho produzia 38 kg/leite/dia com 3.65% de gordura e 3.1% de proteína. A dieta C (antes da utilização de digestibilidade in vivo) e a dieta D (após a utilização de digestibilidade in vivo) podem ser observadas na tabela 3. Podemos notar que a digestibilidade do amido estava abaixo da média enquanto a digestibilidade da FDN estava acima da média. Desta maneira notamos que a digestibilidade do amido era o grande problema da fazenda. Mas como o grão já estava processado não havia nada que podíamos fazer. Entretanto devido à boa digestibilidade da FDN o nutricionista ainda resolveu adicionar forragem. Na coluna D podemos notar que a apesar de a digestibilidade da FDN diminuir devido à adição de forragem a digestibilidade do amido foi mantida. Nesta fazenda a adição de forragem resultou em queda na produção de leite devido a grande queda na digestibilidade da forragem e como consequência uma queda na digestibilidade da matéria orgânica. Este segundo exemplo mostrou que a fazenda em questão precisa melhorar o processamento de milho para poder adicionar mais forragem. Certamente o grão da silagem não deveria estar processado corretamente. Ainda poderíamos sugerir para que a fazenda em questão fizesse a avalição do tamanho dos grãos de milho moído. Assim saberia com exatidão qual a peneira que deveria ter utilizado para moagem.
Mas porque no meu vizinho que possui um sistema idêntico ao meu (rebanho, alimentos, frequência de alimentação, etc…) ele consegue fornecer uma dieta com 50% de forragem e eu só consigo adicionar 40% de forragem? Esta pergunta certamente é responsável pela grande diferença entre margens financeiras entre produtores de leite. Simples, a forragem do seu vizinho é melhor do que a sua. Por quê? Porque ele cortou a silagem no tamanho de partícula recomendado, utilizou um esmagador de grãos, ensilou rapidamente e maneja a face do silo muito bem. Mas como saber se os grãos da minha silagem estão sendo danificado o suficiente? Para responder exatamente esta pergunta existe uma técnica chamada KPS (Kernel processing score, análise de processamento de grãos). Esta técnica permite ao técnico identificar se os grãos da silagem de milho estão danificados ou não.
Portanto com uma ferramenta como digestibilidade podemos comparar os custos de aluguel de uma máquina automotriz para gerar uma silagem melhor versus a tradicional sem processamento de grãos e com um tempo maior de enchimento de silo. Em muitas situações, a utilização de automotriz é muito mais vantajosa, pois esta permite que a digestibilidade da MO, FDN e amido nas vacas da fazenda em questão seja alta. Como no exemplo da tabela 2, quanto maior a digestibilidade maior a quantidade de forragem que eu posso utilizar e consequentemente mais dinheiro eu deixo na fazenda. Uma análise mais detalhada certamente pode ajudar o produtor a melhorar a qualidade da silagem pensando em leite com mais forragem através da utilização de máquinas melhores na colheita da silagem.
Mas eu ainda tenho dificuldades em utilizar esta ferramenta, existe alguma outra maneira que pode me ajudar a tomar esta decisão? Certamente a análise de amido nas fezes pode ser um caminho alternativo para responder esta questão. Esta técnica permite que o nutricionista saiba a porcentagem de amido nas fezes dos animais por lote. Como exemplo, temos uma fazenda no qual o técnico enviou amostras de fezes para o laboratório e pediu para fazer análise de amido. Como resultado a porcentagem de amido nas fezes estava em 7%. Sabemos que devemos trabalhar com números menores do que 5%. Portanto, neste rebanho o amido não está sendo digerido corretamente. Em muitas situações a digestibilidade do amido acompanha a digestibilidade da matéria orgânica. Portanto, neste mesmo rebanho podemos assumir que a digestibilidade da matéria orgânica desta fazenda esteja baixa e uma das causas da baixa digestibilidade da matéria orgânica pode ser a fibra.
Tabela 1 – Exemplo de digestibilidade da matéria orgânica (MO), da fibra (FDN) e do amido na fazenda em exemplo e média em fazendas brasileiras.
Sua fazenda | Média Brasil | |
Digestibilidade, % | ||
MO | 65 | 60 |
FDN | 45 | 40 |
Amido | 95 | 90 |
Tabela 2 – Composição nutricional de dietas antes (C, antes da adição de forragem) e depois (D, depois da adição de forragem) da utilização da digestibilidade na fazenda.
Dieta C | Dieta D | ||||
%MS | |||||
MO | 91 | 92 | |||
FDN | 33,5 | 36,4 | |||
Amido | 27 | 24 | |||
PB | 17 | 17,5 | |||
EE | 5 | 4 | |||
CNF | 37,2 | 35,7 | |||
Digestibilidades, % | Média | MIN | MAX | ||
MO | 78,4 | 75,8 | 66,1 | 44,4 | 80,8 |
FDN | 58,8 | 56,9 | 42,0 | 13,7 | 63,4 |
Amido | 98,1 | 97,9 | 97,1 | 93,1 | 98,6 |
PB | 79,4 | 79,0 | 63,7 | 32,7 | 82,2 |
EE | 81,4 | 75,8 | 74,3 | 53,8 | 95,9 |
Dieta A = 50% de forragem
Dieta B = 55% de forragem
MO = Matéria Orgânica
FDN = Fibra em detergente neutro
PB = Proteína bruta
EE = Extrato Etéreo
CNF = Carboidratos não fibrosos
MIN = Mínimo
MAX = Máximo
Tabela 3 – Composição nutricional de dietas antes (C, antes da adição de forragem) e depois (D, depois da adição de forragem) da utilização da digestibilidade na fazenda.
Dieta C | Dieta D | |
%MS | ||
MO | 91 | 93 |
FDN | 34,5 | 34 |
Amido | 27 | 27 |
PB | 18 | 17 |
EE | 3,3 | 3,3 |
CNF | 36,5 | 40 |
Digestibilidades, % | ||
MO | 69 | 64 |
FDN | 56,5 | 47,5 |
Amido | 87,3 | 88,7 |
PB | 65,5 | 63,0 |
EE | 70 | 64,5 |
Dieta C = sem adição de forragem
Dieta D = com adição de forragem
MO = Matéria Orgânica
FDN = Fibra em detergente neutro
PB = Proteína bruta
EE = Extrato Etéreo
CNF = Carboidratos não fibrosos
Por: Marcelo Hentz Ramos, PhD-Diretor 3rlab, Consultor Rehagro