Rafael Achilles Marcelino
Universidade Federal de Lavras – 3rlab
A utilização de novas tecnologias em sistemas de produção de leite, especialmente em bovinos, tem contribuído para o desenvolvimento de animais mais produtivos, independentemente de serem de raças especializadas ou não. Associados ao aumento da produção de leite estão as novas exigências, como as nutricionais e de manejo, principalmente durante o período de transição que compreende as três últimas semanas de gestação e três primeiras semanas de lactação, período esse crítico para os animais pois ocorrem várias alterações metabólicas, como alterações no fígado, tecido adiposo, músculo esquelético, e ação de muitos hormônios que estão envolvidos a lactogênese (produção de leite) e a manutenção da lactação.
Em contrapartida, nem sempre tais mudanças são adotadas em conformidade, o qual tem gerado distúrbios fisiológicos e doenças metabólicas. Um fator agravante é que na grande maioria das vezes essas patologias se manifestam de forma sub-clínica, com alta prevalência e nem sempre os técnicos possuem ferramentas práticas e rápidas no campo para diagnosticar tais distúrbios.
As principais patologias que acometem os animais durante o período de transição são a hipocalcemia, acetonemia (mais conhecida como cetose), edema de úbere, deslocamento de abomaso e retenção de placenta. Dentre essas, a cetose, principalmente a forma subclínica, tem sido uma doença recorrente em rebanhos leiteiros que acomete os animais principalmente nos sete primeiros dias após o parto e no pico de produção gerando grandes perdas. Além disso, frequentemente essa patologia está associada ao maior risco de desenvolver doenças características da produção leiteira, como hipocalcemia (23,6 vezes); mastite (40,0 vezes); retenção de placenta (3,0 vezes); metrite (33,0 vezes) e deslocamento de abomaso (6,17 vezes) (DUFFIELD, 2000).
Fatores predisponentes
No período de transição ocorre aumento da demanda energética da vaca, associado a redução da ingestão de matéria seca (IMS), o qual gera balanço energético negativo no animal (o animal consome menos alimento ou energia do que ele necessita). Assim, ácidos graxos não esterificados (AGNE) são mobilizados e direcionados para o fígado para poderem ser utilizados como fonte energética. Quando a mobilização de AGNE é excessiva, as vias de oxidação e armazenamentos de triglicerídeos são saturadas, fazendo com que os ácidos graxos sejam oxidados parcialmente e formem cetonas. As cetonas (corpos cetônicos) são liberadas na corrente sanguínea dando origem aos quadros de cetose. Desta forma, essa patologia pode ser definida como aumento de sua concentração em todos os tecidos e fluidos corporais, sendo os corpos cetônicos mais importantes o betahidroxibutirato (HBA), acetona, e acetoacetato.
Vacas supercondicionadas ao parto são candidatas a sofrerem maior perda de peso e não são capazes de aumentar o consumo de matéria seca rapidamente após o parto. Esses animais demoraram duas semanas a mais que vacas em bom estado para atingir o balanço energético positivo. Um estudo comparativo realizado mostrou que primíparas com ECC igual a 3,72 tiveram menor IMS após o parto perdendo, aproximadamente, mais de 34 Kg que o grupo controle.
Foi observado que o aumento de uma unidade no escore corporal, para animais com ECC> 3,5; aumentou o risco de desenvolver cetose de 2,04 vezes. Em estudo realizado com 118 vacas da raça Holandesa, LAGO (2001) observou que vacas que pariram gordas, com escore de condição corporal (ECC) 4,0, quando comparadas a vacas com ECCs 3,5, apresentaram maiores concentrações séricas de HBA nas duas primeiras semanas após o parto. Os resultados mostraram, também, que as vacas do grupo de maior escore corporal, perderam, em média, mais de 25 kg que as do outro grupo.
Formas de manifestação
A cetose pode se manifestar de duas formas: subclínica e clínica. A cetose clínica caracteriza-se por rápida perda de escore corporal, diminuição da produção de leite, fezes secas, anorexia, odor de cetona no ar expirado, prostração, ocasionalmente sinais nervosos e elevação dos corpos cetônicos sanguíneos.
Esta ainda pode ser dividida em: primária, secundária, alimentar e espontânea. A cetose primaria é quando a vaca não recebe a quantidade de alimento adequada e a secundária quando a ingestão de alimentos é reduzida, devido à ocorrência de outras doenças. Já a cetose alimentar ocorre quando o alimento é rico em precursores cetogênicos; a espontânea está relacionada à elevação das concentrações de corpos cetônicos no sangue, mesmo quando a ingestão de dieta é aparentemente adequada.
Já a cetose subclínica é caracterizada como estágio inicial da cetose, sem alterações clínicas, mas com elevação dos corpos cetônicos sanguíneos. As alterações mais observadas são: hipoglicemia (até 90% da glicose pode ser desviada para síntese de lactose) e acetonemia, principalmente o HBA. Além dessas alterações, observa-se também elevação dos níveis de colesterol e aumento de enzimas sinalizadoras de lesão no fígado como ALT (Aspartato Transaminase) e ALP (Fosfatase Alcalina) devido ao aumento na mobilização de gordura corporal e possíveis danos hepáticos causados pelos corpos cetônicos.
Diagnóstico
O diagnóstico da cetose é feito com histórico do animal associado aos testes químicos e/ou laboratoriais. O histórico apresentado é o de uma vaca nas duas primeiras semanas do pós-parto ou em torno do pico de lactação, com redução do apetite, recusando a ingestão de concentrado, perda de peso e queda na produção de leite.
O diagnóstico laboratorial e testes químicos são realizados na determinação de corpos cetônicos no sangue, urina e leite, sendo que o padrão mais confiável para diagnóstico laboratorial é a dosagem de BHBA no soro, durante os episódios de cetose subclínica.
Outros métodos utilizam testes comercializados sob a forma de fitas (figura 1) e tabletes. Consistem em análises subjetivas referentes a alteração da cor causada pela reação química entre o nitroprussato e os corpos cetônicos presentes nas amostras de urina e/ou leite. Na urina a medição é feita a partir de fitas que detectam o acetoacetato e acetona. Na prática, mostra-se ser difícil a coleta de urina dos animais, porque apenas 1/3 das vacas a serem amostradas geralmente urinam. No leite o teste é feito a partir de tabletes que reagem com BHBA, apresentando alteração de coloração quando as concentrações estão acima de 100 µmol/L. Quando comparados aos testes de urina, os testes no leite são menos sensíveis, alterando a porcentagem de vacas com cetose em um rebanho.
Figura 1- Fita de medir cetose na urina
Mais recente, o método o utilizado é o eletrônico portátil e biossensível (figura 2), através de um aparelho de uso humano, para aferir BHBA e glicose no sangue, usado para acompanhamento e tratamento de diabetes. Ocorre uma reação eletroquímica entre o BHBA e o reagente da tira do aparelho, gerando uma corrente elétrica. O tamanho da corrente é proporcional às concentrações de BHBA em µmol/L.
O aparelho faz leitura tanto de glicose como de BHBA, sendo cada um com sua fita específica. Cada caixa de fitas vem com seu respectivo calibrador do aparelho de acordo corno o lote. Deve ser respeitado o lote e sua respectiva fita para que não haja leitura errada do aparelho. Para análise, inicialmente é feito um pique na ponta da cauda do animal, encostando a ponta da fita na gotícula de sangue. O aparelho reconhecendo o sangue apresenta um cronometro de 10 segundos, que é o tempo levado para ele expressar o resultado da concentração de acetona no sangue.
Figura 2 – Aparelho medir cetose no sangue
Tratamento
Em geral, vacas com cetose são beneficiadas com alguma fonte de energia oral (ex: propilenoglicol), e algumas vezes uma infusão intravenosa contendo glicose é necessária. Alguns animais também são beneficiados com o uso do drench contendo cálcio, principalmente quando o animal não está comendo.
Prevenção
Como a regra número 1 é prevenção, seguem algumas recomendações:
– Preste atenção no consumo de matéria seca durante a transição.
– Pelo menos 70 cm de espaço de cocho por animal na transição;
– Nunca coloque mais animais que a instalação suporta;
– Preste atenção na condição corporal ao parto.
Conclusões
À medida que a cadeia leiteira seleciona animais para maior produção aumenta o risco de desenvolver doenças do metabolismo. Com isso, torna-se de suma importância trabalhar com monitoramento do rebanho para minimizar a ocorrência de tais doenças, principalmente as formas de apresentação subclínicas. O diagnóstico precoce da cetose subclínica possibilita ao técnico o tratamento imediato, restabelecendo o status de saúde do animal e do rebanho, evitando desta forma perdas da produção de leite e a ocorrência de doenças concomitantes.
A utilização do método eletrônico portátil e biossensível para o diagnóstico de cetose, através de aparelho de uso humano, é uma ferramenta prática e de baixo custo que pode ser utilizada pelos profissionais no campo para o monitoramento de cetose, intervenção precoce nos sistemas de produção atuais e melhorando sua eficiência de atuação.
3 Comments
Não acho fitas para medição de cetose e meu aparelho é o mesmo da foto ilustrativa,alguem pode me ajudar?
Olá Luciano,
Envie sua pergunta para: tecnico@3rlab.com.br
Temos uma equipe disponível de 08:00 as 18:00 (seg a sex)
Com relação ao método eletrônico portátil, através de um aparelho de uso humano, qual modelo / marca de equipamento vocês recomendam? Agradeço desde já!