Rafael Achilles Marcelino
Universidade Federal de Lavras – 3rlab
A caprinocultura leiteira, introduzida de forma econômica no Brasil em 1974, evoluiu tecnicamente nestes 42 anos, não deixando nada a desejar se comparada a outros países onde a atividade caprina leiteira é tradicional. Do ponto de vista sanitário os rebanhos evoluíram muito nestes anos e, se não estão melhores ainda, isto se deve à falta de produtos específicos para a prevenção de doenças tradicionais na espécie caprina e a falta de diagnóstico preventivo, ocasionada pela pouca disponibilidade de imunorreagentes e de pontos de diagnóstico como rotina.
Nos últimos anos a caprinocultura tipo corte vem se desenvolvendo de maneira impar nas regiões Sudeste, Centro-oeste, além da tradicional criação na região Nordeste. O volume produzido de carnes caprina e ovina é pequeno em relação à demanda. Oscilações na oferta dos cordeiros ou cabritos ocorrem, seja em função da oferta sazonal das pastagens, seja por falta de programação nos criatórios.
Alimentação adequada e programada e a sanidade podem representar 60% dos custos da criação. Os custos relativos a sanidade, podem ser reduzidos adotando-se ações sanitárias preventivas, permanentes. A baixa produtividade ocasionada por manejos sanitários deficientes, para subsistência ou comercialização, reflete-se na menor disponibilidade de proteína animal e prejuízos econômicos consideráveis, que inviabilizam economicamente o agronegócio.
Um estudo feito em Minas Gerais teve como objetivo a caracterização da caprinocultura mineira, em seus diversos aspectos zoossanitários (tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição de frequência das principais alterações observadas nos caprinos em MG
Principais alterações observadas nos caprinos | Caprinos leiteiros | Caprinos de corte | ||
N | % | N | % | |
Ectoparasitas | 44 | 52,4 | 110 | 55 |
Linfadenite caseosa | 17 | 20,2 | 86 | 43 |
Diarreias | 29 | 34,5 | 55 | 27,7 |
Mamites | 35 | 41,7 | 38 | 19 |
Pneumonias | 23 | 37,4 | 22 | 16,5 |
Ectima contagioso | 5 | 5,9 | 44 | 22 |
Ceratoconjutivite | 14 | 16,7 | 29 | 14,5 |
Pododermatite | 12 | 14,3 | 24 | 12 |
Artrite | 20 | 23,8 | 20 | 10 |
O efetivo caprino nos rebanhos leiteiros pesquisados variou entre 2 e 308 com média de 63 animais e nos rebanhos de corte, entre 4 e 57, com média de 24 animais por propriedade; 80% (160/200) dos criadores estão localizados na região Norte do estado.
Foram encontradas as seguintes frequências nas propriedades leiteiras: o sistema semiextensivo de criação foi citado em 1,2% e o intensivo em 98,8%. Os rebanhos leiteiros eram das raças exóticas leiteiras saanen, alpina, toggenburg e a anglonubiana, de aptidão mista. Dos caprinocultores leiteiros entrevistados 36,9% participam de associações. Foi considerada assistência técnica o acompanhamento do rebanho feito por veterinários, agrônomos zootecnistas ou técnicos agrícolas e 53% delas afirmaram terem esse acompanhamento.
Os seguintes dados foram obtidos nas 200 propriedades com caprinos do tipo corte: 49,5% (99/200) adotaram sistema extensivo de criação, 49,0% (98/200) o semi-extensivo e 1.5% (3/200) o intensivo. A ocorrência de plantas tóxicas foi relatada em 91,5% (183/200) das propriedades. A cocriação de caprinos e ovinos foi citada em 30.0% (72/200): os reprodutores utilizados eram das raças exóticas anglonubiana, de aptidão mista, e bôer, de aptidão corte; 44,0% (88/200) participam de associações: 0,5% (1/200) vacinam contra leptospirose, 0,5% (1/200) contra carbúnculo sintomático, 4,0% (8/200) contra raiva e 6,0% (12/200) contra febre aftosa. O veterinário foi citado em seis das oito propriedades que citaram possuir assistência técnica. Somente um caprinocultor de corte relatou realizar exame clínico e nenhum relatou fazer exame laboratorial para diagnóstico da CAE.
A criação exclusiva de caprinos, indicada para o agronegócio, permite que o sistema de produção seja mais especializado com melhores índices produtivos. Apenas 2,4% dos caprinocultores leiteiros visam a produção de matrizes e reprodutores. Atualmente, os animais da raça bôer têm sido cruzados com animais da raça leiteira saanen ou anglonubiana, com objetivo de melhorar, respectivamente, aptidão leiteira e conformação das fêmeas 1/2 sangue.
A identificação individual dos animais tem boa frequência de utilização nas propriedades leiteiras, em comparação com as de corte. A grande diferença encontrada tem como justificativa o objetivo comercial da atividade, visto que os animais serão abatidos, porém não há controle zootécnico ou sanitário sem identificação individual. A maioria dos caprinocultores entrevistados não reconhece a importância da exigência de documentação sanitária para compra de animais. A venda de caprinos leiteiros de MG para estados do Nordeste e fluxo contrário de caprinos de corte são frequentes e a ausência de documentação sanitária possibilita a disseminação de agentes infecciosos nos dois sentidos. Dos caprinocultores entrevistados, poucos solicitam atestados sanitários para CAE, brucelose e tuberculose, sendo esses dois últimos, tradicionalmente exigidos para trânsito de bovinos.
O número médio de caprinos por propriedade foi pequeno, indicando necessidade de aglutinação de criadores como facilitador na venda de produtos e compra de insumos. Além disso, a participação em associações de classe é fator importante para desenvolvimento da atividade, pois através delas os criadores adquirem conhecimento sobre novas técnicas de produção e educação sanitária.
As espécies de biungulados domésticas que podem contrair a febre aftosa no Brasil, por ordem de susceptibilidade são: suínos, bovinos, bubalinos e pequenos ruminantes, portanto, os suínos são as sentinelas da infecção e não os pequenos ruminantes, que são vacinados erroneamente. Outro inconveniente são os granulomas formados no local da vacinação. As vacinas citadas pelos caprinocultores entrevistados foram contra carbúnculo sintomático, enterotoxemia, linfadenite caseosa, tétano, raiva, leptospirose e febre aftosa desnecessariamente. O resultado encontrado reflete o desconhecimento da informação presente na portaria 44 do Programa Nacional de Erradicação de Febre Aftosa que, por motivos diferentes para essas espécies, proíbe a vacinação sistemática de ovinos e caprinos (pouco suscetíveis às amostras virais presentes no Brasil) e suínos (muito suscetíveis, portanto, sentinelas), exceto em áreas de foco e perifocais (MAPA, 2007). A vacinação contra linfadenite caseosa foi citada por apenas um caprinocultor de leite apesar de sua grande importância económica.
Em MG, 53,6% dos caprinocultores leiteiros e 5% dos de corte entrevistados possuem acompanhamento técnico. Essa diferença acentuada do perfil de produção se deve ao fato de que a atividade leiteira foi implantada em 1984 em MG enquanto a atividade comercial para corte data do final da década de 90 (Caprileite/ACCOMIG, 2009). Quando questionados sobre as principais práticas realizadas, 16.7% dos caprinocultores leiteiros e 50,5% dos de corte entrevistados não souberam informar com clareza sobre as variáveis. Em geral, os índices de utilização de boas práticas de produção encontrados nos criatórios leiteiros foram superiores quando comparados com os dos criatórios de corte.
Verifica-se maior frequência de separação por faixa etária no sistema leiteiro do que no sistema de corte conforme dados apresentados comparativamente; essa prática, importante para qualquer sistema de produção, possibilita melhor controle na transmissão de doenças, menor competição e possibilidade de dietas equilibradas por categorias.
A alta frequência de casqueamento se deve ao sistema intensivo de criação e ao tipo de piso, ripado suspenso (figura 2), comum nas criações leiteiras; esse mesmo piso facilita manejo das fezes, que são naturalmente depositadas abaixo do galpão enquanto que na atividade corte o sistema é mais extensivo.
Figura 1- Piso ripado para capril
A utilização de áreas de isolamento de animais doentes, de quarentenário e vermifugação de recém adquiridos, importantes na prevenção de doenças, torna-se fundamental quando associada ao trânsito de animais entre rebanhos, atualmente mais frequente na caprinocultura de corte, ainda em formação. Apesar disso, essas práticas foram mais utilizadas na caprinocultura leiteira.
A verminose é um dos grandes problemas sanitários dos caprinos, principalmente quando criados extensivamente. O tratamento antihelmíntico deve ser uma das práticas de manejo adotadas na caprinocultura tecnificada de acordo com a contagem de ovos por grama de fezes (OPG), época do ano e na não alternância de bases de forma indiscriminada, para retardar o processo de resistência aos antiparasitários. Contudo, em sistemas com criação intensiva, comum nas propriedades leiteiras, com piso ripado (512%), o contato com parasitas é menor e, consequentemente, a necessidade de vermifugação, que deve ser utilizada somente quando o OPG indicar. Em MG, 85,7% dos caprinocultores de leite e 83% dos de corte amostrados, realizam a vermifugação dos animais.
Os resultados encontrados indicam que caprinocultores de leite produzem de forma mais intensiva e possuem maior frequência de utilização de boas práticas de manejo em relação aos de corte. Problemas sanitários como ectoparasitoses, abortos, linfadenite caseosa, diarreia, e ectima contagioso, mastite, pneumonia, ceratoconjuntivite e pododermatite foram relatados em ambas as atividades e a vermifugação é usual nesses rebanhos.