Rafael Achilles Marcelino
Universidade Federal de Lavras – 3rlab
A cana-de-açúcar vem sendo tradicionalmente utilizada na alimentação animal há bastante tempo. Há no país uma tradição no cultivo e na utilização desta gramínea como alimento volumoso para bovinos, particularmente no período seco do ano. É uma cultura que apresenta uma série de características bastante desejáveis, como uma alta produção de matéria verde por hectare e baixo custo por unidade de matéria seca produzida. O período de colheita coincide com a época da seca, quando há escassez de forragens nos pastos e, consequentemente, maior necessidade de suplementação dos animais. Além disso, é de fácil manejo e estabelecimento e oferece baixa taxa de risco, pois dificilmente ocorrem perdas totais dessa cultura.
Do ponto de vista nutricional, dentre suas principais vantagens destacam-se o alto teor de sacarose e o moderado teor de fibra insolúvel em detergente neutro (FDN). Do ponto de vista agronômico deve-se ressaltar a alta produção de matéria seca por unidade de área mesmo com baixa frequência de cortes, a simplicidade do cultivo agronômico, a relativa resistência a pragas e doenças, a facilidade de compra e venda, além de seu caráter semiperene. O fato de atingir o máximo valor nutritivo durante o período seco do ano, quando a disponibilidade de forragem é baixa, tem impulsionado sua divulgação como forrageira adequada para cultivo em fazendas que utilizam pastagens e que visam minimizar o uso de tempo e capital em práticas de ensilagem.
Por outro lado, dentre suas principais limitações, podem ser destacados os baixos teores de proteína e minerais e a baixa taxa de degradação ruminal da fração fibrosa. Quando comparada a outras forrageiras, observa-se baixo consumo de matéria seca, não apenas pela fração indigestível da fibra, mas também pela baixa taxa de digestão da fibra potencialmente degradável.
De maneira contrária ao que ocorre com o valor nutritivo das gramíneas tropicais, a cana-de-açúcar apresenta melhora na sua qualidade nutricional com o avanço da maturidade. Isso ocorre devido ao acúmulo de açúcares no caule, particularmente de sacarose. A maior concentração de açúcares é observada na seca, o que viabiliza sua colheita numa época de escassez de forragem. À medida que a cana envelhece, ocorrem decréscimos nos teores de PB e aumento nos teores de MS e de carboidratos não fibrosos, sendo este último resultado do acúmulo de sacarose. Como nas demais gramíneas tropicais, ocorre queda na digestibilidade da FDN com o avançar da idade, entretanto, há um aumento concomitante de CNE que supera essa queda, fazendo com que haja aumento na digestibilidade da matéria orgânica com o avanço da idade da planta.
Observando-se os valores percentuais de FDN da cana-de-açúcar na tabela (tabela 1), verifica-se que estes são relativamente baixos quando comparados aos de outros volumosos. Entretanto, os coeficientes de digestibilidade da fração fibrosa da cana são baixos, o que corrobora o fato de ser colhida na época seca do ano.
Tabela 1 – Composição de valor nutricional da cana-de-açúcar in natura, do capim elefante e da silagem de milho
Nutriente | Cana de açúcar | Capim Elefante | Silagem de Milho |
MS | 25,27 | 21,43 | 31,59 |
MO | 97,40 | 90,89 | 93,36 |
PB | 3,75 | 7,28 | 7,27 |
FDN | 55,87 | 76,93 | 55,26 |
CNF | 41,10 | 10,93 | 33,02 |
NDT | 63,62 | 50,0 | 63,13 |
DMS | 60,2 | 48,1 | 57,66 |
A baixa qualidade ou digestibilidade da fibra pode limitar o consumo de matéria seca e consequentemente o desempenho de animais mantidos em dietas contendo cana. Além da baixa digestibilidade da fibra, outras deficiências nutricionais da cana-de-açúcar são o baixo conteúdo de proteína e minerais. No entanto, estes nutrientes são de fácil suplementação e não inviabilizam a utilização dessa forrageira.
Uma das grandes vantagens da cana-de-açúcar em relação a outras forrageiras consiste no seu alto valor de NDT, em função do seu alto teor de açúcares solúveis. Esta característica surgiu como elemento chave na possibilidade de utilização de fontes de nitrogênio não protéico como, por exemplo, a uréia. A associação da cana-de-açúcar com uréia é largamente aplicada na bovinocultura de leite, já há anos alguns e com sucesso. Esta estratégia nutricional alia a rápida disponibilidade de energia (pela alta solubilidade da sacarose) e de nitrogênio (pela elevada solubilidade da uréia e sua rápida transformação em amônia pela microbiota ruminal). O fornecimento de uréia visa atender diretamente à necessidade da microbiota ruminal por nitrogênio, enquanto que fontes de proteína não degradável têm a função de atender às necessidades de proteína do animal.
Dentre os fatores limitantes do uso da cana-de-açúcar na alimentação animal, a demanda por mão de obra, principalmente em empresas pecuárias de maior porte, é a principal dificuldade do uso em grande escala. A necessidade de corte e moagem diários eleva muito os custos e a demanda por mão de obra, o que pode inviabilizar o uso deste recurso forrageiro como base para o sistema de produção. Neste sentido, existem algumas opções como a ensilagem (figura 1) da cana ou a conservação aeróbia desta, após a moagem e a adição de algum aditivo, resultando em concentração das atividades de corte e moagem em alguns dias da semana. Outro aspecto que deve ser considerado nas dietas à base de cana é que como os protozoários são consumidores de açúcar, é de se esperar que seja maior a população de protozoários no rúmen de animais recebendo cana-de-açúcar. Nesse contexto, alguns trabalhos têm citado a adição de compostos que poderiam reduzir a população de protozoários com dietas à base de cana.
Figura 1 – Ensilagem de cana-de-açucar
Saponinas são compostos detergentes naturalmente encontrados nas plantas cuja utilização tem sido pesquisada nas dietas de ruminantes visando o aumento da eficiência de utilização da energia pela redução da emissão de metano e melhor utilização de amido e da utilização de nitrogênio. Tais efeitos seriam alcançados pela ação que as saponinas têm sobre os protozoários do rúmen. Os protozoários têm atividade predatória sobre as bactérias, sendo esta uma das principais fontes para aumento de nitrogênio amoniacal no rúmen. Assim, o uso de saponinas pode ser interessante uma vez que, com a redução do numero de protozoários, há redução na proteólise da proteína bacteriana e aumento no aporte de proteína microbiana para o intestino delgado.
O uso mais coerente da cana para vacas especializadas para leite é em grupos de animais com menor produção, normalmente vacas em meio e final de lactação, ou em inclusões dietéticas mais baixas, associada a outro volumoso. Mesmo assim, a utilização da cana-de-açúcar em fazendas que trabalham com bovinos leiteiros especializados é viável, apesar da possibilidade de depressão do consumo e da produção de leite de animais com alta demanda nutricional. O uso estratégico desta forrageira na recria, em vacas não lactantes, em vacas em lactação com menor demanda nutricional e em baixas inclusões na dieta de vacas de maior produção parece ser o mais interessante. Entretanto, em situações específicas, a menor renda bruta diária por vaca, decorrente da depressão no desempenho animal em dietas formuladas com cana como forrageira única, pode ser compensada por vantagens agronômicas e financeiras decorrentes da substituição de silagem de milho por cana, podendo tornar a produtividade mais interessante. A utilização da cana seria uma maneira de aumentar a capacidade de suporte animal da fazenda, comparativamente a um sistema que utiliza exclusivamente em silagem de milho.
Difundida há muitos anos no país, a cana-de-açúcar permanece como excelente opção de volumoso para bovinos leiteiros, podendo ser utilizada com sucesso na recria, em vacas não lactantes, em vacas em lactação com menor demanda nutricional e em baixas inclusões na dieta de vacas de maior produção. Em rebanhos leiteiros, a utilização da cana propicia aumento na capacidade de suporte animal da fazenda, comparativamente a um sistema exclusivo em silagem de milho.