Palestrou no Formuleite com o título: Resposta Metabólica de Vacas Leiteiras a Produtos da Digestão Ruminal do Amido.
Por que precisamos trabalhar com amido na dieta de vacas leiteiras?
Esta pergunta é muito importante, pois praticamente todas as dietas que tenho experiência, inclusive as que tenho tido a oportunidade de ver aqui no Brasil, possuem milho (amido). Bom, precisamos trabalhar com amido por dois motivos: quando retiramos o amido, a produção de leite da vaca cai e os animais respondem com aumento de produção com aumento de amido da dieta até um certo ponto. Outro ponto importante é que devido à baixa densidade energética da forragem esta limita o consumo de matéria seca (CMS), portanto a utilização de amido nestas dietas tem como objetivo proporcionar que o animal consuma mais e consiga atingir a produção determinada por sua genética. Em adição a fermentação no rúmen com a participação do amido é mais eficiente, pois produz menos metano. Sem contar que amido é palatável e somente por este motivo ajuda a aumentar o CMS. Eu tenho visto algumas dietas que utilizam como fonte de forragem a cana de açúcar, estas dietas precisam de amido para otimizar o funcionamento do rúmen e como consequência aumentar a produção de leite.
Qual tem sido o foco das pesquisas na utilização de amido para ruminantes?
Muitos experimentos tem focado no que acontece com o amido no rúmen e esquecem que em uma vaca de alta produção 40 unidades percentuais da digestão acontece no intestino (delgado e grosso). Considerando que 55 unidades percentuais aconteceram no rúmen. Portanto, o intestino contribui com quase metade da digestibilidade do amido no trato gastrointestinal. Como sabemos que o amido brasileiro fermenta menos no rúmen devido ao seu maior teor de prolamina, a digestibilidade no intestino passa a ser ainda mais importante para vocês aqui no Brasil.
O senhor poderia discorrer um pouco mais sobre a menor fermentabilidade do amido brasileiro e o impacto que isto teria na digestibilidade do intestino?
Acredito que o professor Marcos fez uma excelente apresentação mostrando que o amido de vocês contem mais prolamina, esta é simplesmente uma proteína insolúvel que funciona como uma peneira ao redor dos grãos de amido do milho. Sabemos que para ocorrer digestão no rúmen precisamos que o material esteja solúvel. Portanto, esta proteína precisa ser solubilizada e degradada pelos microorganismos para que os mesmos possam fermentar o amido. O problema é que os alimentos não ficam muito tempo no rúmen, sendo assim, muita prolamina não consegue ser degradada no rúmen, passando para o intestino e levando consigo o amido intacto.
Muito interessante, então talvez teríamos que pensar em maneiras para aumentar a utilização de amido no rúmen antes de pensar em maneiras de aumentar a utilização de amido no intestino ?
Eu acredito que o que você fizer para aumentar a utilização do amido no rúmen certamente irá ajudar a utilização do amido no intestino, o que ira acarretar em aumento da utilização do amido no trato gastrointestinal total. Existem várias maneiras de aumentar a utilização do amido: moagem correta, utilização de grão úmido e ou reidratação de milho comprado no mercado, tempo de ensilagem da própria silagem e ou do grão úmido.
Especificamente no rúmen teríamos diferença entre o milho moído (fubá) e o milho grão úmido (reidratado) ?
Certamente. O milho moído é degradado no rúmen mais lentamente que o grão úmido. Isto significa que menos nutrientes são disponibilizados para os microorganismos quando utilizamos milho moído comparado ao úmido. Como as bactérias do rúmen possuem menos nutrientes, estas não conseguem se duplicar e aumentar a quantidade de microoganismos. Temos que lembrar que a proteína da bactéria é muito importante para uma vaca de leite. Esta proteína pode representar até 60% da proteína disponível para todas as células do animal. Portanto, a fonte de milho utilizada tem um impacto na quantidade de proteína produzida na glândula mamária (proteína no leite).
Então a fonte de amido pode determinar em qual compartimento digestivo este será utilizado?
Correto. É muito importante que a gente alimente primeiro o rúmen da vaca para termos a produção de bactéria, mas tem uma certa quantidade de amido que não pode ser utilizada no rúmen e neste caso a vaca é muito eficiente em utilizar em outros pontos (intestino). Então temos que prestar atenção quanto do amido está sendo utilizado. Temos que medir amido na dieta e amido nas fezes. Com estes números em mãos entender a necessidade da vaca. Em adição, o amido é degradado em três pontos no ruminante: rúmen, intestino delgado e intestino grosso. Rúmen já discutimos e é o mesmo processo que acontece no intestino grosso. Agora no intestino delgado ocorre produção de moléculas menores e que estarão disponíveis para todas as células do animal. O que temos que entender é que dependendo do local de digestão a eficiência e os produtos serão diferentes. Quando o amido degrada no rúmen produz bactéria que é uma fonte muito importante de proteína para o ruminante. Mas a degradação no rúmen do amido, é menos eficiente (energeticamente) do que no intestino. Portanto, quando o amido degrada no intestino temos uma maior eficiência energética, mas produzimos somente moléculas que serão precursoras de glicose, não produzimos proteína.
Como o nutricionista que esta a campo pode tomar a decisão entre tentar colocar mais amido para ser digerido no rúmen ou no intestino? E qual o benefício para o produtor?
Esta questão não é fácil. E quando adicionamos o lado econômico complicamos ainda mais. Temos que ter um modelo de vaca em mente para poder discutir, não podemos aplicar o que estou dizendo para todas as vacas. Vamos pensar em uma vaca de 600kg comendo 20 kg de matéria seca e produzindo 30 kg de leite. Na dieta deste animal, temos 30% de amido. Portanto temos 30% de 20 kg o que representa 6 kg de amido que este animal irá consumir em um dia. Neste animal, levando em consideração que a fonte de forragem é silagem de milho, e uma digestibilidade do amido total de 95%, podemos ter o mesmo exemplo que citei acima, 50% do amido sendo utilizado no rúmen e 45% utilizado no intestino delgado e grosso. Como e por que modificar este valor? Eu acredito que discutimos muito no Formuleite a utilização de uma ferramenta muito importante para o nutricionista que é a porcentagem de amido nas fezes. Neste exato exemplo devemos esperar próximo de 5% de amido nas fezes. A meta nas nossas fazendas americanas é 5% por isso estou dizendo este valor. Sei que o milho de vocês digere menos e que terão que estudar algumas alternativas para atingir esta meta. Aproveitando o comentário também tenho notado que algumas fazendas já conseguem atingir esta meta no Brasil, portanto é um número que vocês também podem alcançar. Para ser bem honesto se você está trabalhando na meta e a fazenda está satisfeita, eu não vejo motivo para pensar em maneiras de modificar o local de digestão do amido (rúmen vs. Intestino).
Sabemos da importância do amido na dieta, mas também entendemos que uma vaca leiteira utiliza os subprodutos da fermentação e os converte em glicose principalmente no fígado. Portanto, temos que ter um animal saudável para utilizar os subprodutos do amido. Devemos nos preocupar com a saúde da vaca antes de nos preocupar com o nível de amido na dieta?
Com certeza. O fígado é muito importante quando falamos dos subprodutos da digestão do amido. Quando o amido é digerido este resultado na produção de ácidos graxos voláteis que é o produto que a vaca utiliza para energia. Um destes subprodutos é o propionato. Portanto quando fornecemos amido para uma vaca temos maior produção de propionato. Propionato dá uma oportunidade para a vaca produzir mais glicose e consequentemente mais leite. Portanto nós temos que alimentar as bactérias com amido para produção de propionato porque quando isto não acontece, a produção de leite irá diminuir.
Em determinados sistemas de produção é utilizado cana de açúcar na dieta. Algumas pessoas têm como meta não trabalhar com menos de 20% de amido na dieta. Teríamos um valor mínimo de amido na dieta? Em adição, muitas vezes nós temos a porcentagem de amido na dieta e sabemos que o ideal seria ter como meta amido fermentável como porcentagem da matéria seca. Portanto, você poderia comentar sobre o nível de amido fermentável e também o valor mínimo que deveríamos trabalhar?
Este número mínimo não existe. O melhor indicador que temos é amido fecal. O problema é que com amido fecal não sabemos onde o amido esta sendo digerido (rúmen ou intestino). A vaca faz um excelente trabalho, ela diz o seguinte: ok, eu não consigo digerir no rúmen então eu compenso com a digestão no intestino delgado e no grosso. Mesmo sendo fermentado no intestino grosso ainda existe a produção de propionato que será absorvido e utilizado pelo animal. Um bom indicativo tem sido proteína no leite. Quando vemos mais amido sendo utilizada no intestino grosso a eficiência de produção de proteína microbiana diminui, desta maneira a vaca não tem aminoácidos suficiente para produzir proteína, portanto vemos uma depressão de proteína no leite. E esta pergunta sobre ponto de digestão do amido não é tão simples. Em um mundo perfeito teríamos uma metodologia para medir quanto do amido esta sendo utilizado no rúmen e quanto esta sendo utilizado no intestino, nós não temos esta metodologia.
Podemos fazer algo na dieta para mudar o local de utilização do amido (rúmen versus intestino)?
Processamento é uma ferramenta. Frequência de alimentação, quanto maior a frequência, teremos uma maior uniformidade de digestibilidade do amido. Outro ponto importante é que temos que prestar atenção às fontes de proteína que estamos utilizando. Temos que ter fontes de proteína que degradam rapidamente como também fontes de proteína que degradam mais lentamente.
Isto está nos levando para uma pergunta muito importante: Como podemos ter 100% de certeza que uma vaca está em acidose subclínica? Porque se o animal apresenta baixa gordura no leite, esta pode estar deficiente em fermentação de fibra. Algumas pessoas gostam de olhar na porcentagem de proteína do leite, quando a gordura está baixa e a proteína está baixa teríamos um quadro de acidose subclínica. Novamente, baixa proteína do leite pode ser devido à baixa produção de microorganismos no rúmen (pode até ser falta de amido no rúmen). Podemos concluir que temos os dois casos: fibra ruim e amido ruim, os dois casos podem levar a baixa gordura e a baixa proteína no leite.
Excelente pergunta. Realmente diagnóstico de acidose subclínica é talvez o mais difícil na fazenda. Na maioria das situações nós descobrimos que possuímos um problema de acidose subclínica depois do ocorrido. Observamos isto devido ao aumento de problemas de casco. Aí começamos a trabalhar para resolver o que aconteceu.
Você apresentou algo sobre a utilização de silagem de milho e pré-secado, e o impacto da mudança da forragem na velocidade que os ingredientes são degradados.
Sim, isto vale para qualquer alimento e também para nutrientes. Quanto maior o consumo de matéria seca, mais rápido o alimento sai do rúmen. Portanto quanto maior a quantidade de amido consumido maior a quantidade de amido que devemos encontrar fora do rúmen (intestinos). No caso de vacas de alta produção nós precisamos ter uma fonte de amido de degradação mais rápida (mas que não cause acidose) e uma fonte de amido de degradação mais lenta. Então algumas vezes trabalhamos com uma mistura de amido de diferentes processamentos: úmido e moído parece ser uma opção que tenho visto bastante nas fazendas brasileiras. Agora vacas de baixa produção não temos que preocupar muito, pois o alimento fica no rúmen por mais tempo, as bactérias do rúmen tem mais acesso ao alimento e como consequência o material pode ser mais digerido dentro do rúmen.
Um ponto importante que muitas vezes não consideramos é que para que ocorra digestão no intestino delgado o animal precisa de proteína não degradável no rúmen (PNDR). O senhor poderia comentar um pouco sobre a necessidade de PNDR para aumentar a digestibilidade do amido no trato gastrointestinal total?
Este ponto é muito importante. Para que o amido que não teve a oportunidade de ser utilizado no rúmen seja utilizado no intestino é preciso que o animal tenha proteína para fazer esta digestão. Voltando aos pontos básicos da bioquímica, toda enzima é uma proteína. Assim, quando o animal esta deficiente em PNDR certamente isso poderá afetar a digestibilidade do amido no intestino.
Nós temos um número de PNDR que temos nos atentar para formular dietas para maximizar a utilização de amido?
Nós não sabemos.
Alguns nutricionistas gostam de trabalhar com o seguinte: em uma dieta com 16% de proteína bruta, 10 unidades seriam degradas no rúmen e 6 seriam RUP, esta correto ?
Ok. É um número que tenho visto também. Muito importante, quando você muda o processamento você precisa mudar um pouco estes números também. Esta é uma explicação porque em algumas situações nós conseguimos observar resultados positivos quando passamos de milho moído fino para milho reidratado, simplesmente porque não tínhamos nitrogênio suficiente no momento que a bactéria precisava para fermentar o grão úmido.
Neste ponto teríamos que focar então no balanceamento de aminoácidos e não somente na PNDR?
Correto. Este é o ponto da apresentação do Dr. Schaweb. Realmente o que estamos fazendo hoje é balanceando a dieta para aminoácidos específicos ao invés de pensar somente em PNDR. Então estamos trabalhando para entender os requerimentos de aminoácido para atender o amido que não é utilizado no rúmen. Realmente é uma área nova.
Se voltarmos na bioquímica temos que pensar que para o funcionamento das enzimas precisamos de minerais também. Portanto estamos também tendo que prestar atenção no requerimento de minerais para maximizar o digestibilidade de amido?
Com certeza. Para que a digestibilidade do amido ocorra precisamos de enzimas. Estas enzimas precisam de co-fatores. Muitos dos co-fatores são minerais. Se não temos a quantidade correta de cada mineral a enzima não funciona e como consequência a digestibilidade do amido não é a mesma.
Muito obrigado Dr. Shawn !
Eu que agradeço, foi um prazer !
Entrevista: Dr. Shawn S. Donkin
Background – Professor da Universidade de Purdue, esta fazendo um sabatical na UFLA.